quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Amar devia ser pra sempre.

Amar devia ser pra sempre. E quando a gente achava que era pra sempre, tava tudo certo. O problema é que resolveram burocratizar toda a coisa, dar tempo de vida e consequências judiciais pro fim.
Resolveram que o amor agora é contratual e que a penalidade máxima, ao invés de sofrimento e solidão, é uma pensão alimentícia. Resolveram que se a gente ama por três meses, é pouco tempo. Se ama por três anos é tempo suficiente pra marcar casamento, e se ama por treze anos e ainda não casou, é porque trai e enrola.
Como se tivesse tempo pra se apaixonar por um abraço, como se tivesse escolha entre se apaixonar hoje ou daqui uma semana. E aí a porra degringolou toda. As pessoas amam pra mudar status de facebook, amam por carência, por charme, por abstinência sexual. Dão as mãos pra não parecerem solitárias, se entregam ao primeiro que faz um cafuné mais demorado.
E aí todo o mundo começa a tentar te convencer que é assim que tem que ser, que ficar mais de um ano sozinho é sinônimo de solidão e abandono eterno. Tentam te convencer que você tá errado e que o certo agora é gostar pela metade.
É gostar de um beijo bem dado, ao invés de um caráter bem formado. É gostar de um apertão na bunda ao invés de um abraço de saudades. E aí você vai na onda, e quando menos esperar, está enfurnado em um desses relacionamentos conturbados, que te penduram naquele muro onde noventa por cento do mundo se equilibra pra não ter que pular nem pro lado da solidão, nem pro lado do amor incondicional.
E você fica sentado lá no muro. Balançando as perninhas e olhando pro teto. Balançando as perninhas e assistindo série de TV enquanto seu namorado sumiu misteriosamente. Balançando as perninhas e ignorando mensagens de pessoas estranhas. Balançando as perninhas e aceitando frieza na frente dos amigos e competição com gente desesperada.
Daí você pula do muro, e resolve que não quer ser da maioria da população. Que se foda o senso comum, o beijo comum e o amor comum! Comum por comum, que você fique com a monotonia de dormir e acordar sozinho, sem ter que checar na agenda os sapos que vai ter que engolir no dia. E aí, desavisado que só, perambulando sem poder ficar no meio-termo, acaba esbarrando naquele motivo que te fez começar toda essa peregrinação.
Sentada num banco de uma praça perto do shopping, um cara que você nem tinha percebido que se sentou ao seu lado, fez aquela cantada da propaganda da Coca-Cola, e atendeu sua garrafinha de refrigerante pra você, e depois te ofereceu. E podia ter sido a coisa mais brega do mundo, mas não foi, e você só admitiu isso quando passou mais de uma hora escolhendo a roupa para o quinto encontro com ele. E no oitavo encontro, ficou a noite inteira pensando na camisa xadrez que ele usava.
Só que aí não tem mais jeito. Já ficou muito, começaram a namorar. E a família conhece, os amigos conhecem, se formaram na faculdade, e o casamento? Uai, não vão casar? Mas esse namoro tá estranho! E a casa? E o emprego, ainda não tem? Ainda é estagiário, como pode?
E aí pessoas que não tem nada a ver com a história começam a se meter, e escolher data de casamento, e a mãe dele quer conversar com a sua, os seus amigos não acham ele uma boa companhia, as pessoas se metem no estilo de roupa que ele usa, nas gírias que você fala. Daí colocam tudo no papel e provam com matemática, física e química que vocês tem que oficializar tudo. E vocês se casam por amor e depois de três meses estão brigando por causa de um fio desencapado no meio da sala de estar.
Porque sua mãe não acha bonito, e os amigos dele gostam de vir ver o jogo na sala de estar, e sem aquele fio ali, só daria para ser no quarto. Mas desde quando o amor de vocês tinha a ver com sua mãe? Desde quando o amor de vocês tinha a ver com os amigos dele...? Conseguiram de novo.
Fizeram as contas e enfiaram vocês em um contrato. Só que houve quebra por parte da decepção, e a burocratização do amor ficou evidente, quando você jogou a camisa xadrez pela janela, e ele saiu arrastando as coisas numa mala entreaberta, resmungando qualquer coisa sobre um talão de cheques e o fio desencapado. E nem adianta tentar voltar atrás, porque quando o amor ainda não acaba, o orgulho não deixa nada voltar ao que era antes.
Só que não existe tempo nem remédio para combater isso. Quando a gente menos espera, se apaixonou, deu brecha, e o relacionamento a dois virou relacionamento com a empregada, o vizinho de cima, o chefe do seu irmão, a melhor amiga de infância.
E chega! Não quero mais saber de amor! Se é meia-boca, dá errado. Se é por inteiro, dá errado a longo prazo. Vou ficar sozinha! E você fica. E fica. E fica. E aí meio que de propósito, senta num banco de uma pracinha mas o cara que tá lá nem olha pro lado.
E você resolve ir tomar um chá na cafeteria ali perto para esquecer um pouco isso, só que já pagaram seu chá, e veio com um bilhetinho com telefone. Missão completa. O jogo recomeçou. E não faria sentido começar tudo de novo, sabendo que a qualquer momento vão aparecer com uma lista de regras, as condições de jogo e a ampulheta para determinar o tempo certo. Mas quem disse que amar faz sentido?
Uma vez burocratizado, para sempre burocratizado. Mas não dizem que quando se está segurando a mão de quem se ama, pode-se enfrentar o mundo todo? Pois vamos à luta! Uma mão é dada, e a outra é tampando o ouvido.

 Maria Beatriz


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